domingo, abril 25, 2010

Vermelho não de amor

Cuidar e amar feito um cão
Caçar e matar feito um tigre
Palavras e sentimentos de ódio
Queimam a vista, ardem os olhos
Aceleram agora um coração
Que não por paixão, bate descompassado

É tão infeliz e soberbo
Que eu nem deveria continuar
A dar-lhe atenção e pérolas

Tudo o que há em altas dosagens pode ser perigoso
Inclusive o dom de sentir e dizer
Os minutos de vida que este ódio me tomou
Usei para escrever-te isto
Mal acredito estar hoje escrevendo
Um poema ao meu inimigo

Ederson R. Zanchetta – 23 de abril de 2010

quinta-feira, abril 08, 2010

A Fidelidade e a Infidelidade

Uma sala escura. Apenas uma luz fosca em cima de uma pequena mesa redonda. Dois espectros, sentados em cadeiras dispostas uma de frente para a outra, iniciam um diálogo:

Fidelidade: antes de iniciar nosso diálogo, gostaria de lembrar-te que somos irmãs, separadas apenas e tão somente por um prefixo de negação. Creio, portanto, que chegaremos a um consenso.

Infidelidade: você e essa mania insípida de entendimento, esse medo inato do choque. Não podemos simplesmente conversar?

Fidelidade (indiferente): só achei importante ressaltar…

Infidelidade: julgo seu discurso fraternal como uma boa forma de introdução. Responda-me uma dúvida: por que, afinal de contas, você tem essa necessidade de manter tudo sobre controle? Concluo que por esse motivo você não serve aos seres humanos: eles pensam que controlam tudo, mas não controlam absolutamente nada. Por essas e outras, sou uma opção muito mais adequada ao modo de vida deles.

Fidelidade: por favor, não entremos no mérito do caráter humano. Vejo-me como uma escolha. Se existe um casamento com a disposição de divisão, doação e comunhão não existem motivos para que o casal esconda nada um do outro. Reitero: não sou uma regra, sou uma opção. A relação só é válida se a verdade prevalece. Esconder uma traição é mentir a si mesmo e à pessoa que você diz amar. Uma relação baseada em mentiras simplesmente não é uma relação, é um embuste. Após uma traição, cedo ou tarde, o pacto de intimidade e cumplicidade desmonta feito um castelo de cartas. É o começo do fim inevitável!

Infidelidade (ríspida): você e suas regras estúpidas. Por que citou o casamento? Só depois de assinar uns papéis e fazer uma cerimônia fora de moda é que as pessoas têm a necessidade de serem verdadeiras umas com as outras? Acho que o jogar limpo deveria ser uma regra absoluta desde o primeiro encontro. A vida, entretanto, não é simples nem justa. De tanto eles jogarem limpo, acabam se sujando. Por isso, continuo como a melhor das opções. Os seres humanos precisam esconder seus absurdos uns dos outros.

Fidelidade (indignada e irônica): Meu Deus, é um caso de bipolaridade! Quer dizer que não concorda com sua natureza, mas a enxerga como a mais adequada, é isso?

Infidelidade (fria e falando baixo): não sou bipolar, sou prática, pé no chão e realista. Tenho consciência de que relações se desgastam, as pessoas se entediam uma com as outras e precisam buscar válvulas de escape. Admitir uma traição é um erro, já que o ego destroçado do ser humano não resiste ao fato de que seu parceiro está dividindo o leito com outros. Essa verdade, apesar de nobre, destroça a relação, o traído e o próprio traidor, que se remói em culpa da mesma forma. E você aí, vivendo em um mundo de fantasias…

Fidelidade (desolada): você não se sente péssimo pelo fato de no fundo ser contrário à sua própria natureza? Você é uma romântica de merda e sabe disso.

Infidelidade (serena, acende um cigarro): não tenho motivos para me sentir péssima. Eu sou um amparo à miséria humana. A traição é um traço intrínseco deles e deve sim ser acompanhada pela falsidade para que as relações não fracassem. Sem o trinômio mentira, hipocrisia e traição seria impossível constituir uma família.

Fidelidade (pede um trago do cigarro): Não acho. Existem pessoas que se conscientizam das dificuldades de se dividir uma vida a dois e fazem da verdade e da honestidade a principal marca da relação. Duas pessoas que realmente se amam não podem mentir uma para as outras, por mais que doa. A verdade sustenta o amor. Sem ela, o amor não existe.

Infidelidade (arranca o cigarro da mão da fidelidade e desdenha): esse casal que você está descrevendo perderia a libido um pelo outro cedo ou tarde. E, desculpe, mas você sabe que entre as pulsões do inconsciente humano o sexo é tão fundamental quanto a fome e, para agravar o quadro, as relações abertas estão fadadas ao fracasso. O ser humano é possessivo, mas gosta de perversão, gosta de ter na cama uma pessoa por quem sinta amor e ódio. E é egoísta, só ele tem o direito a esse pequeno delito, o parceiro não. Eu, rondando a situação sem ser notada, alimento o amor e todos ficam felizes.

Fidelidade (dona de si): acho que você chegou a um ponto interessante. Presumo que a razão de suas forças serem maiores que as minhas consiste no fato de que as pessoas nunca terminam se relacionando com aquelas que verdadeiramente amam. Vou tentar explicar. Um homem ama determinada mulher. Ela, por sua vez, não o ama. Ele se humilha, declara seu amor e sofre sem ser recompensado. Desiste e acaba se relacionando com outra mulher apenas para fugir de seu antigo e eterno amor. Acho que grande parte dos casais não se ama e por isso é infiel. Se você realmente ama uma pessoa, não tem vontade de traí-la; se tiver vontade, a reprime, e se não reprime, revela a verdade e agüenta as conseqüências. Logo, sua natureza, cara infidelidade, é o puro resultado da falência do amor. Não me venha com essa bobagem de que é você quem o alimenta.

Infidelidade (confiante): é a velha lei da balança: em uma relação um sempre vai gostar mais do outro. Essa disparidade, que é o padrão humano, desequilibra a situação. Aí que eu entro para salvar tudo. E o melhor: por baixo dos panos, em silêncio. O ser que não ama verdadeiramente a sua parceira complementa suas satisfações com amantes e consegue manter uma relação minimamente estável. O ser que ama, por outro lado, vive conscientemente iludido e fantasia que tudo está bem. Sou o peso que equilibra a balança. Sem mim, seria o caos.

Fidelidade (exasperada): Não, não, não! Você é apenas um produto das fraquezas humanas e da falência do amor. Você é parte do caos. Será que não percebe que você não passa de mais um dos tantos defeitos de caráter do ser humano? Eu sou uma opção, as pessoas podem escolher a verdade. Ser fiel não quer dizer não trair. Ser fiel significa dizer a verdade acima de todas as coisas. Ser fiel é realmente viver uma vida de verdade. Nem que para isso o ser fique e viva sozinho pelo resto de seus dias. Para ser fiel é preciso ser forte de verdade. Só a fidelidade leva o ser humano a ter uma vida. Sem ela, tudo não passa de um embuste! Um ser que não é fiel com ele mesmo nem com quem ama não pode dizer que realmente viveu uma vida! Ele apenas a encenou, a deixou escapar entre seus dedos! Se não quer ser fiel, que aproveite os gozos da liberdade solitária!

Infidelidade (zombeteira): AHAHAHA… Eles não agüentam a solidão. O mundo e a vida são muito cruéis para que eles suportem tudo sozinhos. Eles necessitam de uma companhia, de um porto seguro, mesmo que não passe de encenação. Chega um momento da vida em que eles não suportam e se entregam à vida a dois. É quase uma regra: raros são os que resistem. Você realmente vive em um mundo de fantasias…

Fidelidade (insegura): isso não é verdade… Você mesmo não concorda com essa farsa. Você deveria se unir a mim para despertarmos esses seres sem rumo. Por que não me ajuda? Por que prossegue com essa frieza no olhar?

Infidelidade (reflexiva, acende outro cigarro): o que você não percebe é que ambos somos produtos da mente humana. Pare de pensar que você é uma verdade absoluta, uma salvação ou que você controla suas próprias ações. Quem decide por nós são eles. Lembra-se? Somos irmão, separados apenas por um prefixo. Nós apenas continuamos vagando feito fantasmas. São eles quem possuem o livre-arbítrio para decidirem que caminho seguir. Se ao menos pudessem nos ouvir… Se ao menos soubessem o poder que têm nas mãos… Mas esqueça. Eles estão perdidos demais para enfrentarem a verdade, seja lá qual for ela, a minha ou a sua.

Fidelidade (olhos baixos, pega um cigarro, coloca no canto da boca e acende).

As duas se olham em silêncio… Apagam-se as luzes.

(Autor desconhecido)