quarta-feira, dezembro 12, 2007

Lições da Água

No dia-a-dia, pensamos e agimos de modo tão mecânico e somos tão pouco dados a reflexões que não percebemos que seríamos mais sábios se seguíssemos o exemplo da água. Os mestres dizem: "A água vai pelo caminho mais fácil". Quando observamos nosso próprio comportamento, temos a impressão de que gostamos de complicar tudo: "Para que simplificar se podemos complicar?". Para os sábios orientais, qualquer coisa que exija esforço demais não é natural [1].

Uma relação de namoro em que se "venceu pelo cansaço" podemos tirar algumas lições: se existe muito esforço para conseguir algo, será também preciso o mesmo esforço para que esse algo seja mantido e isso pode ser muito desgastante. Haja vontade, tempo e paciência! E dinheiro também! E, ao contrário, quando as coisas acontecem naturalmente, elas se mantêm naturalmente. Não há esforço. E é bem mais barato...

Temos a tendência de considerar que o caminho mais fácil é o caminho mais curto. Pode até ser verdade em alguns casos, mas não é regra. O caminho mais fácil é o caminho mais fácil. Ponto. Não significa necessariamente o caminho mais curto. São o ego e a ansiedade que criam o desejo de que os caminhos mais fáceis sejam também os mais curtos. A água não tem ego nem pressa e o caminho que ela faz em direção ao mar é o do menor esforço e não o mais curto. Às vezes, ao contrário da vontade do ego, acontece de o caminho de menor esforço ser o caminho mais longo [O rio Tietê nasce a 22 quilômetros do mar (Santos), mas desemboca no mar depois de percorrer 5.100 km, na cidade de Buenos Aires].



A Água não briga com os Obstáculos

Assim como o rio tem o propósito de levar suas águas para o mar, nós também temos uma missão de vida a cumprir. Se ficarmos enroscados em cada um dos pequenos aborrecimentos do dia-a-dia, isso só vai envenenar nossa vida. Há um consumo grande de tempo e energia quando nos irritamos e brigamos com as pessoas. Não vale a pena. Quando temos um objetivo maior em vista, os pequenos contratempos perdem significado. Ou melhor, nossa tolerância aumenta. Sabedoria é agir com suavidade, com diplomacia, e não brigar com os obstáculos.


A Água se acumula até encontrar a Borda mais Baixa

Ao deparar com um buraco, a água se precipita até o fundo. Se não encontrar saída, ela se acumula e preenche o fosso. À medida que se acumula, o nível da água se eleva até encontrar uma borda baixa. Assim, ela sai do buraco e continua seu fluxo.

Numa transposição dessa situação para a vida humana, podemos fazer muitas reflexões. A frase "Quando a água cai num fosso, ela se acumula até encontrar a borda mais baixa" pode ser reinterpretada da seguinte forma: "Quando uma pessoa sábia (água) depara com uma situação de dificuldade (fosso), ela se interioriza (acumula-se) até que naturalmente encontra a saída mais fácil (borda mais baixa)".

Quando a água não encontra por onde escapar, ela se acumula. Numa situação complicada em que não existe solução imediata, o sábio também se acumula, isto é, volta-se para dentro de si em busca de recursos interiores. Faz da adversidade uma oportunidade para ficar quieto, para meditar, ver como está conduzindo seus ideais, quais são seus valores mais importantes e qual é o sentido da sua existência. O sábio "acumula" seus conteúdos interiores e isso faz que aumente o nível de sua consciência, do mesmo modo que o nível da água se eleva quando ela se acumula no fosso. Nesse processo de interiorizar-se, de elevar-se, a água e o sábio encontram a borda mais baixa, encontram a saída natural, o caminho que permite continuar o fluxo, a vida.

Quando o sábio observa o comportamento da água, percebe que a calma e a confiança na vida são essenciais para encontrar a saída mais fácil - e mais facilmente. Uma pessoa agitada e desesperada apenas se atrapalha numa situação difícil. A mente agitada é como a água de um lago que foi movimentada demais: ela fica turva. Só é possível enxergar o fundo do lago depois que a água entra em repouso e fica cristalina. No meio da agitação é difícil enxergar a situação com clareza.


O que mantém a Vida da Água é o Fluxo

"Água parada apodrece", diz o ditado popular. Se a água estiver em movimento, como um rio, a vida se mantém. Os mestres taoístas perceberam que tudo na vida é fluxo, tal qual a água. Se a vida é mutação, ciclo e impermanência, então a vida só poderia ser fluxo. Ou, ainda, a vida só se mantém por causa do fluxo. Basta pensar nas funções biológicas. Se nossas vias respiratórias estiverem obstruídas, não há fluxo de ar adequado e pode-se ter asma ou morte por asfixia. Outro exemplo: a circulação sangüínea. Alterações do fluxo do sangue causadas pelo entupimento das artérias por placas de colesterol podem fazer que nosso organismo entre em colapso, como nos casos de infarto. O chamado Acidente Vascular Cerebral (AVC), ou "derrame", também se deve a uma falha do fluxo de sangue, no caso, do sangue que irriga as células do cérebro.

O fluxo é necessário não só para abrir espaço para o novo, mas também para que todas as coisas à nossa volta sejam beneficiadas. Permitir o fluxo é beneficiar. Impedir o fluxo é prejudicar, é sinal de egoísmo, de apego. Se represarmos um riacho para ter água apenas na nossa propriedade, prejudicaremos a vida de tudo e de todos que vivem rio abaixo.


O Oceano é Grande porque fica no Lugar mais Baixo

Os chineses se perguntavam: "Por que o oceano é tão grande? Por que ele é a maior extensão de água que existe no mundo?". A resposta a que chegaram é simples e surpreendente: o oceano é grande porque fica no lugar mais baixo. Porque fica onde ninguém quer ficar, num lugar que as pessoas desprezam. Ninguém quer ficar por baixo. Todo mundo quer estar no topo do mundo, na ponta da pirâmide social, no escalão superior da hierarquia empresarial, no alto do pódium, na pole position. É isso que a sociedade competitiva nos ensina nas famílias, escolas e empresas.

Ao perceberem que o oceano é grande porque ocupa a posição mais baixa, os taoístas chegaram à conclusão de que só é grande aquele que é humilde. A água não se esforça para ficar nos lugares mais altos. Não tem intenção de ir para o topo das montanhas. Na Natureza, só uma pequena quantidade de água fica nos picos das montanhas. E mesmo assim é gelo, uma água fria, rígida e não a água fluida que promove a vida. O gelo se parece com alguns executivos: frios, rígidos, egoístas, que só pensam em lucros e vantagens, custe o que custar. Também não é diferente de alguns líderes espirituais egocêntricos que têm posturas rígidas, dogmáticas, e só querem exercitar o poder. Os sábios orientais valorizam a modéstia e a humildade. Eles sabiam que eram apenas instrumentos da Natureza e que só existe uma única missão nesta vida: servir. Era nessa humildade que estava (e está) a grandeza dos sábios.

Podemos trabalhar em qualquer atividade, mas a missão será sempre a mesma: servir. E servir significa beneficiar, usar nosso talento e nossos conhecimentos para colaborar para o desenvolvimento da humanidade. Servir é ser um instrumento dos valores mais elevados da vida, a Sabedoria, a Paz, o Humanismo e a reverência à Natureza. A missão, por essa óptica, não é um interesse pessoal e egoísta. Porisso ninguém deveria conceber que ser rico ou famoso possa ser uma missão de vida. Seria um objetivo muito pobre e não traria uma verdadeira alegria interior. Missão transcende interesses pessoais.

Devemos perceber que somos instrumentos de algo que ultrapassa o ego. O oceano é grande também porque acolhe todos os rios. Do mesmo modo, o sábio é grande porque dá atenção a todas as pessoas, sem distinção. Para ele, não existe ninguém imprestável. O tirano subjuga a população, o verdadeiro estadista serve ao povo. O arrogante é pequeno porque só quer vantagens pessoais, o sábio é grande porque é humilde e deseja o bem de todos.


Existe uma única Água no Mundo

A água que hoje alimenta e beneficia tudo que existe na Terra é a mesma desde a sua formação (desde a época dos dinossauros). Toda essa água circula na Terra sem cessar, desde a sua formação, há bilhões de anos. Tudo é cíclico. E é sempre a mesma água.

Ao beber um copo de água, não se bebe apenas água. Bebem-se todas as memórias da água (lembre-se do Masaru Emoto) e toda a história do planeta. A água que bebemos hoje já foi chuva, rio e oceano e também já foi usada por Jesus e Buda. Existe uma única água no mundo.

A percepção do ciclo da água levou os chineses à idéia de unicidade e, como conseqüência, a um sentimento de reverência. A água, para eles, não é só sábia, mas, especialmente, sagrada. Como tudo. Para os sábios, assim como a água é uma só, tudo no mundo é uma coisa só. E tudo é sagrado.

De acordo com essa visão, se tudo é uma coisa só, quando se toca uma parte, toca-se o todo. Tocar a folha é tocar a árvore. Ao se tocar os cabelos, toca-se a pessoa. A unicidade da água mostra que nada está isolado, nada está fora do todo e tudo forma uma única realidade. Em essência, nada e ninguém é melhor do que outra coisa ou outra pessoa. Tudo e todos merecem o mesmo respeito, a mesma reverência.

Gostar de uma parte é gostar do todo e gostar do todo é gostar de cada uma das partes. Respeitar a Natureza é respeitar cada gota de chuva, cada ser humano. Qualquer pedaço de algo sagrado é sagrado.

A água é discreta. Participa de todos os processos da vida do planeta e não se vangloria de nada. Procura os lugares mais baixos, acolhe a todos, se adapta às situações, flui, se interioriza, não briga com ninguém e não faz nada além de beneficiar as coisas. Humilde, a água não deseja nada a não ser servir a tudo e a todos. A água nos mostra a ligação de todas as coisas, que todos os fenômenos são a manifestação de uma coisa só, de uma coisa que é sagrada, transcendente. Por tudo isso, a água sempre foi uma mestra inspiradora para os sábios chineses.


Referência:
[1] Roberto Otsu, A Sabedoria da Natureza: Taoísmo, I Ching, Zen e os Ensinamentos Essênios, Editora Ágora, 2006.

Fonte:
Blog "Saúde Perfeita" de Rui Fragassi

Um comentário:

Anônimo disse...

ôooooooooo os 2 escrevendo sobre águaaaaaaaaaaaaaaaaaa.....
paga pauuuu
rsrsr


bjussssssssss